Mulheres também eram escribas de elite, revela arcada dentária medieval

Arte da Arte • jun. 04, 2019

Pigmento azul utilizado para escrever livros foi encontrado nos dentes de mulher enterrada

Na imaginação popular, escribas e iluminadores de manuscritos da Idade Média eram homens: monges trabalhando arduamente em scriptoria iluminados por velas, ocupados copiando o conhecimento do mundo nas páginas de pergaminhos. “São sempre monges, monges e monges,” diz Alison Beach , historiadora na Universidade Estadual de Ohio. “Quando imaginamos escribas medievais, pensamos em homens”.

Mas uma nova descoberta sugere que uma parte desse trabalho era feita por mulheres—e que escribas e artistas mulheres eram altamente habilidosas, bastante conceituadas e ficavam encarregadas de alguns dos mais valiosos pigmentos disponíveis a artistas do século 11, de acordo com uma equipe interdisciplinar liderada por Christina Warinner , paleogeneticista do Instituto Max Planck para Ciência da História Humana, na Alemanha. Os resultados de seu estudo foram publicados na revista científica Science Advances.

 As evidências foram coletadas da boca de um esqueleto encontrado em um cemitério medieval em Dalheim, pequeno município próximo à cidade alemã de Mainz. Como parte da tentativa de entender melhor as dietas e doenças que afetavam as pessoas no passado, arqueólogos começaram a estudar a placa fossilizada que se acumulava nos dentes das pessoas, antes do surgimento da odontologia.

 Também chamada de tártaro, a placa retém e preserva DNA de bactérias na boca, junto com traços de alimentos e bebidas que a pessoa consumiu muito tempo atrás.

Deixada de fora da história

Um túmulo indicado como B78 continha o esqueleto de uma mulher de meia-idade que faleceu por volta de 1100 D.C. Primeiramente, a única coisa que se destacou em meio a seus restos mortais foi a ausência de desgaste nos ossos, sinal de que havia levado uma vida que não exigia grandes esforços físicos.

Quando a equipe de Warinner analisou de perto os dentes de B78, houve uma surpresa. “O microscopista me chamou e disse, ‘o tártaro dessa mulher está cheio de partículas azuis’”, relembra Warinner. “Nunca tinha visto essa cor na boca de alguém antes—esse tom de azul esverdeado, brilhante”.

Então a equipe trabalhou com químicos para descobrir de onde vieram as milhares de partículas azuis incrustadas na placa dental endurecida dessa mulher. Testes extensivos revelaram que as partículas eram de lazurita, um mineral também conhecido como a gema lápis-lazúli.

Na Idade Média, a lápis-lazúli era encontrada apenas onde hoje é o Afeganistão. Quando a pedra em pó chegou na Europa central por meio de uma complexa rede de comércio que abrangia milhares de quilômetros, Beach, coautora do estudo, diz que valia mais que seu peso em ouro. O pigmento azul vivo produzido a partir da lápis-lazúli era tão precioso que artistas medievais e iluminadores de manuscritos o reservavam para as figuras mais importantes—o manto azul da Virgem Maria, por exemplo.

Como esse precioso pigmento acabou na boca de uma mulher alemã do século 11 era mais um mistério. Após descartar algumas explicações para os traços de lápis-lazúli—talvez a mulher tivesse beijado uma imagem contendo lápis-lazúli como parte de um ritual religioso, ou se envolvido em “medicina lapidária”, prática medieval em que se ingeria pedras preciosas como agentes curativos—a equipe de pesquisa concluiu que o pigmento azul provavelmente foi parar na boca de B78 porque ela lambia seu pincel enquanto pintava.

Com o tempo, o pigmento ficou incrustado em seu tártaro, onde ficou preservado por quase mil anos. ( Anita Radini , autora principal do trabalho de pesquisa e especialista em tártaro da Universidade de York, até mesmo criou o pigmento de lápis-lazúli em laboratório e testou em sua própria saliva e lábios para verificar os resultados.) “Podemos dizer que a pessoa foi exposta repetidamente a esse pó. Era um comportamento repetitivo, com certeza”, diz Radini. “Essa é a primeira evidência de ofício que temos”.

A preciosa lápis-lazúli não teria sido confiada a qualquer artista. “O fato de uma mulher ter recebido esse pigmento significa que ela era do mais alto nível, com grande reputação pela arte que produzia”, diz Beach. “É a primeira evidência física que possuímos de escribas mulheres”.

Então como as artistas medievais do sexo feminino, como a B78, foram deixadas de fora da história? Beach conta que há referências por escrito de escribas mulheres no passado. Mas, quando um livro é anônimo, historiadores tradicionalmente presumem que foram produzidos por homens—e a grande maioria de livros medievais não possui assinaturas.

“Isso sugere que muitas das obras não assinadas eram produzidas por mulheres, ou pelo menos que essa é uma possibilidade que devemos considerar”, acrescenta a historiadora.

Um Santo Graal

Enquanto isso, o tártaro está rapidamente ganhando força como uma fonte de informações arqueológicas. Uma enorme vantagem é a de ser coletado diretamente da boca da pessoa falecida e pode revelar, de maneira conclusiva, o que os indivíduos comiam, bebiam e o que expeliam, em vez de fazer inferências com base no que foi deixado em seus túmulos ou encontrado em assentamentos próximos.

“Reconstruir uma atividade a partir de esqueletos humanos é o santo graal da bioarqueologia, mas é muito difícil reconstruir atividades a partir de ossos humanos,” diz Efthymia Nikita , bioarqueóloga do Instituto Chipre em Nicósia, Chipre, que não participou do estudo de pesquisa. “O problema aqui é que todos os métodos que utilizamos são indiretos”.

“Ao identificarmos micropartículas diferentes, é possível que consigamos identificar, em alta resolução, atividade específica”, acrescenta. “Não conheço outros estudos em que uma artista tenha sido identificada a partir dos restos de seu esqueleto”.

No futuro, diz Radini, a técnica pode ser usada para identificar artistas no registro arqueológico, algo nunca feito antes. E outras profissões— tecelões ou oleiros, por exemplo—podem ser precisamente identificadas pelas fibras de plantas ou pó de argila encrustadas em sua placa dental, uma fonte de evidências mais confiável do que procurar por padrões de desgaste em ossos.

Por enquanto, as autoras esperam que a placa dental repleta de pigmentos da B78 mude a forma como os historiadores enxergam o papel das mulheres na formação da cultura ocidental na Idade Média. “Não só identificamos lazurita nesse cemitério isolado, como ele também está na boca de uma mulher”, diz Warinner. “Isso abre uma janela para a história das mulheres daquela época”.

Matéria retirada na integra do site National Geographic Brasil
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